Polaridades dividem realidades, cada um se sujeita se entrega e se manifesta consoante as suas verdades, são decisões passadas e experiencias intemporais que nos definem, que nos preenchem e dividem.
Nascemos nus de julgamentos e rótulos, uma página em branco por explorar. No inicio não existem medos, não existem meios, só os seios que conhecemos e o olhar que tememos. A Inocência, nosso tumulo, nosso escudo proveniente de uma ignorância abismal, que vivemos num mundo colorido e bonito, sem tumultos ou mal.
Mas o tempo joga a sua cartada e abre uma entrada, uma fenda inevitável e nem sempre fiável, às interpretações pessoais, as visões do que observamos e conhecemos em contraste com o que queremos e aprendemos. Rapidamente sonhamos em voz alta e damos com a asa em alta, por algo que acreditamos e não descansamos. Por algo que nos está marcado bem fundo, uma ferida que nunca cicatrizou quando o escudo se estilhaçou e a alma em queda livre, sangrou e o seu soalho manchou.
“Tudo muda, desde o tempo em que, ignorante voluntário,
Em tudo e todos se vê bem, nunca o contrário,
Numa nuvem de vozes sem corpo nem sentido,
Deixam um rasto de melodia em que vimos ruído,
Fica a saudade de sentir o mundo mais pequeno,
De ouvir palavras em palavras, sem saborear o veneno”
De saudade ele enche o peito, ao recordar aquilo que era, outrora inocente e inexperiente sem um futuro em mente, agora confronta no espelho demente, uma fera cedente.
“Entretanto, sem ninguém se aperceber,
Todos fecharam os olhos, para nos deixar crescer,
E aí vieram as sombras,
As paisagens fechadas, negras e redondas,
O pincel que agora nos foge do alcance,
Num mar de agulhas, cortantes se tiverem chance,
Avançando em rumo incerto, de espada na mão,
Sem saber o que esperar, neste mundo aberto
Em falso, onde cada passo é em vão…”
“E é então que surgem as interpretações
Às cegas
Obtemos 1 de 2 colorações
Às cegas
Mancham as nossas convicções
Quando impõem regras
E pintam as nossas telas
De bem e mal
Nos forjam em igual”
De certo que nascemos no seio de igualdade, num berço de luz banhado em perfeição ouve se o bater de um novo coração, e de seguida, a voz em choque ao estranho, uma nova criação em tons agudos e em gritos, uma canção.
“Vimos de um só centro de luz
Pensando no nada de igual maneira,
Esculpimos as farsas em que nos tornamos
Ao forjarmos os berços em ferro ou madeira,
Pelas nossas próprias mãos nos tornamos nós,
Os trabalhos arrastados que se tornam demais,
Traçamos as linhas nas mãos e no rosto
E fazemo-nos nós, porque não há mãos iguais”
Mas esta canção é só o que partilhamos em igualdade, quando uma vez lutamos em direcção à respiração, a luta por uma vida de paixão, ou por uma maldição …
Numa canção na qual simplesmente conhecemos a introdução ofuscam os olhos e viram as costas ao refrão, passam para os últimos segundos onde cospem uma avaliação e ou passamos ou chumbamos.
Quando ignoram as nossas razões e motivações, os testemunhos que simplesmente se ouvem em murmúrios ficam reservados ao tempo, este que nos acompanhou, ensinou e mostrou, uma vida como não outra. No bem e no mal jogamos, com o branco e o preto iludimos, delineamos com o pincel as cores com que nos pintam, com que nos criticam e castigam.
Aplicam o seu julgamento, baseado em defeitos e tormentos, não olham duas vezes, a sua pena não se vai contar em meses nem em anos, contar para quê, não são eles que sofrem os danos.
“ Batem com o martelo
Num movimento ignorante e singelo
Quando os quantos olhos me comem
É para sua segurança enquanto dormem
Não entendem não percebem
Que o que se estende perante eles
Não é o que mais temem
Mas a quem mais devem
Pois por às suas vidas mostrar
Com uma acção tudo mudar
Que aquilo em que acreditamos é aquilo porque devemos lutar”
“De início no mundo havia cinzento e mais nada,
Tudo era sem graça, monótono, igual,
Para mim, na ignorância devorava o nevoeiro
E agora tenho saudades desse universo banal…
Por rotina e hábito, tardio e demente,
Aprendi a pintar-me de branco, qual vivo algodão,
Reflector da luz, calor absorvente
Que tudo ganha e nada dá, na imperfeita perfeição.
(Pois agora sinto frio, sentado no chão
Duro, com medo, dizem que tenho um negro coração!)
À medida que mais luz ia engolindo,
Cada vez mais branco me tornava,
(Se o raio de sol demais brilhava
A sombra ainda se aumentava…)”
Uma vida ordeira com os seus assuntos sempre na algibeira, coordena os traços com que se enche de branco num mundo com laços dementes, não se reconhece, não se preenche com este mundo que o abrigou e amamentou, de morais e estruturas fixas vê-as a fracassar para mais tarde desabar. Pela calada observa aqueles que se regem como por uma balada…
sempre na mesma rota mesma linha apesar de sem falhas ser torta.
“Iluminado em excesso pelos raios de sol,
Sinto-me enjoado e dói-me a cabeça,
Quando vou à janela sinto indiferença
Perante a inspiração que entra e me deixa só,
Vejo uma praça, uma serra de betão,
Um mar de tijolo, uma montanha de asfalto,
Grandiosidade urbana medida em palmos
Que se encontram no excesso, permitido assalto.
Nela desfilam vultos, de sombras crescentes,
Não distingo rostos, são só formigas errantes,
Dirigem-se bem mandados, no sentido ascendente
Escolhas passadas tornaram-nos ignorantes,
Ao passar, abstraídos vão
Que nem notam a presença mansa
De algo belo aprisionado no ardente chão,
Um inocente e jovem rosa branca…
Encaminham-se raivosos para o seu local,
Nunca olhando para a inocente flor,
Uma questão de momentos até
Que se torne minha a sua dor,
Esmagados, partilhamos a mesma cor…”
Ao observar não se consegue abster e deita cá para fora a sua certeza, o que não consegue conter, que algo com que se identifica tem de proteger quando ameaçado, como um legado uma companhia para curar a sua melancolia num mundo de uma estúpida fantasia.
E sem meios termos se rege, num acto de coragem e determinação, faz de uma arma seu pincel para colorir o mundo em que acredita, assim como uma vez forçado em preto branco ser.
“Sem pensar, assomo à cabeceira,
Agarro noutro pincel, aponto-o à multidão,
Não há sombra se a acção é certeira,
E disparo, vezes sem conta, pinto de vermelho o chão,
Intacta mantém-se a nobre flor
E eu descubro uma nova cor…
(Mestres de nós mesmos, vendo com olhos diferentes
O mesmo caminho, agora apagado, outrora presente,
Vítimas infundadas de um julgamento errado,
Quando olhamos para trás e em nós nos vemos culpados,
Pedindo um novo começo, fim destinado a desaparecer,
Suicidamo-nos de propósito para voltar a nascer.
Enfim…)
Encarcerado por fazer o bem,
Salvei o espírito, matei o mal,
Mantive a sombra nunca descoberta
Presa na mente, sem um local,
Mas na mesma sou culpado?
Não consigo perceber, e tento,
Que regras absurdas contra nada,
Que saudades do cinzento…”
Indignado e revoltado encontra-se com muitos meses e anos para deixar passar e contar mas nunca amaldiçoar as acções por que se deixou levar, mas sim aqueles que pelo que é certo não o deixarem lutar.
Assim, seguindo o seu branco deu contraste no preto uma nova cor, de muito sofrimento e ardor surgiu uma nova flor.
Uma que não será lembrada sem o preço da dor com espinhos para recordar o acto do que nos é certo e verdadeiro, que tanto o branco e o preto podem ser tingidos de outra cor, que este mundo não se prende a uma polaridade baseada em vaidades e em conformidades.
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