Ouvidos surdos, sentimentos mudos, aqui, no meu leito me entrego quando violado sou acordado, não pestanejo, sem hesitar refuto, sem racionalizar desfruto, profanado ergo um tumulto. Aqui, saciam a sua cede, tento afasta-los mas não me sinto a nega-los, não, muito pelo contrário anseio pelos seus regalos. Depois de apedrejado, neste vasto recinto vislumbro a vida, quando mais uma vez usado, alguém quer este corpo calejado.
Quando o toque se faz presente, uma luz indesejada me traz conformidade, não existe razão, o raciocínio não pacifica o coração, é quando na escuridão, que satisfaço a minha excitação. Quando contrariado, acorrentado, sou estropeado.
É quando abraço o indesejado, nesses momentos pouco achados, que me confronto com uma natureza que me faz explodir. Neste recinto frio fechado, sou explorado, acorrentado ao enferrujado num misto de sangue sou vendado. Ouço as palavras que me fazem morder um rugido abafado de trapos, com as minhas mãos te alcançar para te em mim sufocar, com estes dedos te tocar, sentir, torcer e espremer. Arrancar de ti as palavras de prazer, pelas minhas unhas nas tuas linhas, trajectos da história em que me fazes tremer, em que contrariado sou dominado, bem lá no fundo um achado, sofrer para viver, sofrer para aprender, sofrer para crescer.
Cair é fácil, quando todo o mundo chora torna-se fácil escorregar, quando todo o mundo questiona torna-se fácil sonhar, mas quando todo o mundo cai em quem nos podemos apoiar para nos levantar?
Foi no fosso que te conheci, foi no fosso que em ti me embebi e me entreguei, foi contigo que senti quando cai, hoje contam-se quedas atrás de quedas e ainda não te esqueci.
Pois na memória não me faltas, das vezes que me tomaste e usas-te, quando por palavras expressaste-te, quando ao anoitecer entras-te e no amanhecer abalas-te, lúcido e desperto com um escrito me deixas-te.
Sempre me perguntei, porque é que não ficas-te ao meu lado, aconchegados e entrelaçados como um. No entanto sempre soube a resposta, não és bicho para domar nem humano para educar, não és pensamento para compreender nem razão para entender, és eu e eu tu quando perdido me acho.
Por isso quando me tocas, é a minha mão que ganha protagonismo, quando me beijas, são os meus lábios molhados que sinto neste eufemismo, perdido por um corpo que já me foi mais íntimo, quando me suspiravas ao ouvido, proclamavas carícias e delícias. No final, sem folgo debruçado lambias os danos colaterais de um organismo carente e cedente.
Patética esta existência de um vulto moribundo que vive escondido atrás da sua arma erguida, incapaz de agir e ter a sua própria investida, penoso como agarrado a ti está para escrever a própria sina.
Dos areais mudamos de cenário
Encontramo-nos como num industrializado retrato
Tela larga esboça pelas cores edifícios de um tanto extraordinário
No recinto envolvido dos tantos edifícios
Ela jaz somente, um corpo ao detalhado pormenor
Aguardava encharcada os frutos dos seus sacrifícios
Ela que quis, hesitou, e lutou em vão.
Caiu esmagada, de joelhos esfolados, o seu calor no frio do chão.
Quando ergueu as suas armas, excitada, ergueu a sua rebelião.
Numa envolvida tensão
Procurava por um pouco de atenção
Resfriar a tesão num poço de escuridão
Os pulmões preenchidos, os peitos investidos
Remetiam como miras singelas e descobertas, os seus adornos enfurecidos
Inocentes, queriam, puxar-te para dentro dos trapos desinibidos
A pensamentos forçados voluntários ausentaste-te
Há lua, de cabelos despenteados, olhos encharcados
O teu nome gritou, tu que não a violas-te como desejas-te.
Questões colocou, no momento em que fraquejou
Quando, por ti, acorrentada foi deixada:
“Porquê não me violou?”
Já derramado, o primeiro sangue outro hora
Conhecia a rotina o vicio, a colora
Com serenidade respondeu calado, "Não chegou a tua hora."
“Um dia, no manto da noite ou no leito do dia
Vou querer a estes vales voltar
Como um fervor desamparado
Sem demais em ti vou entrar
Nas paredes sucumbir o doce e o amargo
Como num misto de odores em que nos vamos banhar
Calada e imobilizada, aberta mas nenhum espaço jaz
Sequências de luxúrias sem espaço para o próprio ar
Vais recordar e as cores com que te pinto guardar
Que neste retrato predomina o amargo a dor e o pesar.”
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