Já faz tempo meu amor …
Questiono-me se sentes a minha
falta, a falta das minhas palavras, do meu sabor amargo, do meu corpo
resguardado, tímido e inibido, perante o teu esplendor, o teu corpo alado.
Como ao meu lado te costumavas
deitar, como os meus lábios costumavas beijar naquele rude despertar. Um traço
de sangue transformava-se num tracejado que percorrias, ferozmente me agarravas,
o meu corpo tomavas e me olhavas, e cedente estremecias, cedente sorrias.
As tuas mãos frias no meu peito, quando sobre
mim éramos um. Sucessões de movimentos, desenvergonhados em sangue e em lágrimas
ficávamos banhados.
Marcas deixavas, como migalhas
para aquele espaço que era só nosso, para que nunca me perdesse, para que nunca
esquecesse as palavras que me ensinaste e o sentimento que me mostraste. Não me
esqueci, como podia …
“Uma tela pintada,
um desenho se apresenta,
contornos
carregados por lápis afiados,
vermelho é a cor
que se evidencia,
medo, medo é o
sentimento, a dádiva oferecida.
Como que num
espelho, reflectido
Interpretado por
um tumulto, encapuçado
Me vejo inerte, um
sem expressão erguido
Atrás de mim, na
altura, um vulto mascarado
Hoje, um sorriso,
não confuso, decidido
Um sem expressão
de nome sombra,
outrora era o que
via,
nos degraus frios
encolhido tremia,
enquanto que o
chão estremecia,
cada vez mais,
confuso me perdia.
À Janela via o
tempo passar,
sem nada fazer, me
deixava levar …
Meu maior erro, o
medo e a dor culpar
em vez de estes de
braços abertos abraçar.”
“Quem não sucumbe às mágoas da
vida fica para sempre com esta em divida” palavras que proferias, como que uma
profecia, não eram mais que verdades reflectidas na cortina esbatida,
lembras-te?
“A maior falácia é
julgar poder viver sem sofrer, dar sem receber.
Como podemos se
não desejar …
Como podemos se
não respeitar …
Como podemos se
não admirar …
… aquele que força
o sangue a jorrar,
que aperta no
peito toda a dor e sofrimento,
em que se banha e
encontra, todo o contentamento.
… a clareza que
ofusca, a clareza que se procura
está na alma, deslumbrante e inerte, vestida de
vermelho.
De saltos, austera
e bela, pelas pernas, cetim até ao joelho,
é a minha amada e
não só, é a inveja de qualquer espelho.
Pintam-te de
vermelho como me pintam de branco,
a recusa e a repulsa não me é indiferente,
a recusa e a repulsa não me é indiferente,
Espelho
estilhaçado, parecer quebrado
pego no pincel que
partilho, este não tem odor, desprovido de gatilho
num gesto só, sucinto
e decidido, rasgo o tecido
o branco não é
transparente, como que uma nascente
deste jaz uma nova corrente.
Imperativo é
deixar fluir, correr e nascer. Dar ao mundo a beber, dar ao mundo a aprender,
uma oportunidade de cair, sofrer e morrer, para que possamos um dia sim dizer
que sabemos o que é viver.”
Bem sabes como gosto de pregar,
às paredes que me ouvem. Na retina ver esbatida, tudo o que tenho para dar seja
mágoa, dor ou pesar.
Gosto de pensar que estás orgulhosa de mim …
Gosto de pensar que as minhas palavras são lidas e as
minhas intenções percebidas …
Gosto de pensar que na tua ausência não estou sozinho, que
na tua ausência encontrei o meu caminho …
Hoje não sou uma criança, hoje
crescido, das profundezas erguido, deparo-me à tua procura, mais uma vez, para
te dizer que encontrei esperança, para te dizer que a tempestade passou e a
bonança voltou.
Lembras-te destas palavras?
Naquele espaço só nosso, ao som da melodia predilecta? Como as paredes pintaste
e ao meu coração berraste, só para no papel poder esboçar um bocado de mim, o
caminho ao destino que ele percorre, o sangue que nas nossas veias escorre…
Como tudo era tão mais fácil nessa altura …
“Fazeis de mim o que puderes,
de joelhos me entrego, de joelhos me confesso,
que a razão porque nasci é a razão porque me perdi,
para todos os receios, abrigo procuro naqueles que são os
seus seios,
de lágrimas nos olhos, um alguém a quem em encostar, um alguém
com quem partilhar,
alguém a quem a mão dar e pelas linhas passear, no fim de
contas, alguém a quem amar.”
Hoje caminho em cetim de pregos,
calejado e firme aprecio a paisagem, não é para o destino que olho mas
sim para a viagem. Assim me despeço assim me entrego, até à próxima jornada,
até à próxima caminhada, meu amor.
Do teu insólito pecador.